A união estável se configura como uma modalidade de constituição de família, amplamente reconhecida pelo ordenamento jurídico brasileiro. Diferente do casamento civil, que exige formalidades específicas e um registro em cartório, a união estável se caracteriza pela relação contínua e duradoura entre duas pessoas, que estabelecem um convívio comum com o objetivo de constituir família, como prevê o Art 1.723 do Código Civil.
Mas, o que realmente define uma união estável e como ela se diferencia de outros tipos de relacionamentos, como o namoro? Vamos desvendar essas questões com mais profundidade.
Requisitos da União Estável
A lei brasileira estabelece critérios básicos para que um relacionamento seja considerado união estável,neste título, vamos especificar cada um deles.
Objetivo de constituir família
Mais do que conviver juntos, os companheiros devem ter um projeto de vida em comum, o que envolve compartilhar responsabilidades, apoio mútuo e planos para o futuro. Esse é o elemento mais importante e serve como referência para diferenciar uma união estável de um relacionamento comum.
O objetivo de constituir família precisa ser demonstrado em condutas visíveis, que envolve apresentar evidências que mostrem a intenção do casal de estabelecer uma vida em comum, compartilhando responsabilidades e planejando o futuro juntos. Aqui estão algumas maneiras de demonstrar e comprovar esse objetivo:
Documentos de Coabitação: Contratos de aluguel, escrituras de propriedades ou contas de consumo (luz, água, internet) em nome de ambos os parceiros, evidenciando que moram juntos.
Declaração Conjunta de Imposto de Renda: Apresentar o parceiro como dependente na declaração de imposto de renda é uma forte indicação de que há um projeto de vida em comum.
Certidões de Nascimento de Filhos: A existência de filhos em comum, biológicos ou adotivos, é uma das evidências mais claras do objetivo de constituir família.
Seguros de Vida e Previdência Privada: Nomear o parceiro como beneficiário em apólices de seguro de vida ou planos de previdência privada demonstra preocupação com o bem-estar do outro a longo prazo.
Documentos de Planejamento Conjunto: Evidências de planos feitos juntos, como viagens, compra de bens duráveis (carro, móveis) para o lar comum, ou investimentos e poupanças em nome de ambos.
Redes Sociais e Comunicação: Mensagens, fotos e publicações em redes sociais que demonstrem a relação e o compromisso mútuo podem servir como suporte à comprovação da intenção de constituir família.
Provas de Suporte Mútuo: Documentos que comprovem suporte financeiro mútuo, cuidados em momentos de doença, ou qualquer outra forma de apoio que demonstre comprometimento com o bem-estar do parceiro.
Contrato de Convivência: Embora não seja um requisito para a existência da união estável, um contrato de convivência elaborado por um advogado pode formalizar as intenções e acordos do casal quanto a aspectos financeiros, patrimoniais e de suporte mútuo, reforçando a prova da intenção de constituir família.
Para comprovar o objetivo de constituir família, é importante reunir um conjunto diversificado dessas evidências, de modo a formar um quadro convincente do relacionamento perante as autoridades ou em processos judiciais. Cada caso é único, e a relevância de cada tipo de prova pode variar conforme as circunstâncias específicas da união.
Continuidade
A relação deve ser duradoura e não seja algo eventual. Embora a legislação não especifique um tempo mínimo, a jurisprudência sugere que o período de convivência deve ser longo o suficiente para evidenciar a estabilidade da união. Esse fator não é decisivo e não será considerado de forma isolada. Se uma relação for longa, mas não possuir os outros requisitos, principalmente o objetivo de constituir família, ela não será considerada uma união estável.
Convivência pública
Mesmo cumprindo todos os outros requisitos, também é necessário que o casal possua uma relação pública. O relacionamento deve ser conhecido por amigos, família e pela comunidade, demonstrando que ambos apresentem-se como uma unidade familiar. Por mais discreto que o casal seja, essa união precisa ser reconhecida ainda que pelo grupo social mais próximo. As pessoas à sua volta precisam perceber o objetivo de constituir família e a estabilidade da relação.
Ausência de impedimentos para o casamento
Para que uma relação seja reconhecida como união estável, é necessário que nenhum desses impedimentos abaixo esteja presente. Isso significa que, mesmo sem um casamento formal, as mesmas restrições legais se aplicam, visando proteger os princípios da legalidade e da moralidade familiar.
Os impedimentos para o casamento estão elencados no artigo 1.521 do Código Civil brasileiro e incluem situações como:
Parentesco: Não podem casar-se as pessoas que são parentes em linha reta, seja o parentesco natural ou civil, como pais e filhos, ou em linha colateral até o terceiro grau, como tios e sobrinhos, irmãos.
Casamento Anterior Não Dissolvido: Pessoas que já são casadas e não obtiveram a dissolução legal desse casamento não podem constituir união estável com outra pessoa.
Tutela ou Curatela: É vedado o casamento do tutor ou curador e seus descendentes com a pessoa tutelada ou curatelada antes de prestadas as contas da tutela ou curatela, indicando a preocupação com conflitos de interesse e proteção à parte mais vulnerável.
Crimes: A lei também proíbe o casamento entre pessoas envolvidas na morte de cônjuge ou companheiro de um deles, buscando prevenir e punir situações onde a relação é fundamentada em atos ilícitos graves.
A análise cuidadosa dos impedimentos legais para o casamento, mesmo no contexto de uma união estável, reflete a importância de se proteger os direitos individuais e coletivos, garantindo que as relações familiares estejam em conformidade com o ordenamento jurídico. Assim, a ausência de impedimentos legais se coloca como um pilar essencial para a formação e o reconhecimento de uma união estável no Brasil.
Não é necessária a diferença de sexo
A união estável no Brasil evoluiu significativamente para incluir relações homoafetivas, eliminando a exigência de diferença de sexo entre os parceiros. Essa mudança, consolidada pelo Supremo Tribunal Federal em 2011, assegura que casais do mesmo sexo possuam os mesmos direitos e reconhecimento legal que casais heterossexuais em uniões estáveis. Tal avanço reflete um compromisso maior com os princípios da igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana, reconhecendo a diversidade das configurações familiares. A decisão marca um passo importante na luta contra o preconceito e na promoção da igualdade de direitos, fortalecendo a noção de que o essencial em uma família é o laço afetivo e o projeto de vida compartilhado, independentemente da orientação sexual dos indivíduos.
Regime de Bens e Direitos na União Estável
Embora não trate de todos os direitos decorrentes de uma união estável de forma detalhada, o Código Civil e legislações complementares, como a Lei do Regime de Bens (Lei nº 6.515/77) e o Código de Processo Civil, estabelecem um conjunto de direitos para os companheiros. Vamos detalhar os principais direitos envolvidos:
1. Reconhecimento como Entidade Familiar
O artigo 1.723 do Código Civil reconhece a união estável como entidade familiar quando o casal vive de forma contínua, pública e duradoura, e estabelece uma convivência com o objetivo de constituição de família, conferindo a esses relacionamentos proteção jurídica equivalente à das famílias constituídas pelo casamento.
2. Direito à Herança
Os artigos 1.790 (revogado pelo STF, que agora aplica o art. 1.829 para uniões estáveis) e 1.845 do Código Civil garantem aos companheiros o direito de suceder os bens um do outro em caso de falecimento. A jurisprudência atual equipara o companheiro aos cônjuges, assegurando-lhes o direito à herança na mesma proporção dos descendentes ou, na ausência destes, dos ascendentes, em concorrência com outros herdeiros legítimos.
3. Direito à Pensão por Morte e Benefícios Previdenciários
Embora não detalhado no Código Civil, a jurisprudência e a legislação previdenciária (Lei 8.213/91) estendem aos companheiros em união estável o direito a benefícios previdenciários, como a pensão por morte e o auxílio-reclusão, desde que comprovada a união estável no momento do óbito ou da reclusão do segurado.
4. Regime de Bens
O Código Civil, nos artigos mencionados acima, e a Lei do Divórcio (Lei nº 6.515/77) estabelecem que, na falta de contrato escrito entre os companheiros, aplica-se o regime de comunhão parcial de bens, onde somente os bens adquiridos após o início da união estável e a título oneroso são considerados comuns ao casal.
5. Direito a Alimentos
Em caso de dissolução da união estável, o Código Civil, em seus artigos 1.694 a 1.710, assegura o direito de um dos companheiros requerer pensão alimentícia ao outro, caso comprove a necessidade de assistência material, seguindo os mesmos critérios aplicáveis ao casamento, como necessidade, possibilidade e proporcionalidade.
6. Direito de Uso do Nome
Embora o Código Civil não trate especificamente sobre o uso do sobrenome em uniões estáveis, a prática e algumas decisões judiciais têm permitido que um dos companheiros adote o sobrenome do outro, com o devido processo legal, similarmente ao que ocorre no casamento.
7. Direitos Patrimoniais e Contratuais
Os companheiros podem, através de contrato de convivência, estipular regras sobre a gestão patrimonial e a divisão de bens, superando a limitação dos regimes de bens previstos na lei, desde que não violem direitos de terceiros ou disposições legais imperativas.
Os direitos decorrentes da união estável refletem o reconhecimento da diversidade familiar e buscam garantir proteção jurídica aos companheiros, assegurando-lhes suporte material, moral e sucessório, alinhados aos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade familiar.
A Importância da Formalização e do Acompanhamento Jurídico
Embora a união estável seja reconhecida sem formalidades específicas, a elaboração de um contrato de convivência pode oferecer maior segurança jurídica, permitindo ao casal estipular regras específicas sobre regime de bens, partilha de bens, pensão alimentícia, entre outros. Esse contrato deve ser elaborado com o auxílio de um advogado especializado em direito de família, garantindo que os interesses de ambos os parceiros sejam respeitados e protegidos.
Em conclusão, a união estável é uma forma legítima e cada vez mais comum de constituição de família no Brasil. Entender seus requisitos, direitos e a importância de uma formalização adequada é essencial para garantir a proteção dos envolvidos. A assistência de um advogado especializado em direito de família se torna indispensável para navegar pelas complexidades legais e assegurar que a união seja reconhecida e respeitada em sua plenitude.
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